Sentado na velha cadeira de leitura, com o livro numa mão e um copo de um delicioso e velho malte na outra, iluminado por um candeeiro poeirento e quase tão velho como a cadeira, permaneço a olhar fixamente as palavras escritas por mais um autor. Á medida que dou um último gole ao dourado liquido dos deuses, olho pela janela. Observo o chão coberto por um manto branco de neve e gelo e admiro os grossos ramos de vida a baloiçarem com a força do vento glaciar que teima em não deixar pousar as pequenas pérolas brancas que continuam a cair do céu. A lareira continua acesa, ajudando a combater o frio e forte sopro da Natureza que me bate continuamente na fronteira transparente entre o lar e o gelado vento glaciar.
Não posso deixar de admirar a beleza caótica e ao mesmo tempo serena do Inverno. Tal como na vida, as tempestades são precisas numa grande cidade para limparem o ar poluído e pesado, característico destes grandes centros. Ouve-se um barulho, já conhecido dos meus ouvidos. Mais um tram passa na ponte. O último neste dia a cruzar um canal de água solidificada pelos 6º negativos de hoje.
Levanto-me para alimentar o fogo da lareira que me aquece a casa e fornecer-me de mais um copo do delicioso malte, que me aquece o espírito. Espreito pela porta do quarto. As duas mulheres que me acompanham nesta aventura da vida dormem com os anjos, desconhecendo o decorrer da noite. A filha, no seu berço, ainda nem sequer se apercebe o que é o Inverno ou Verão, vento e neve ou sol e calor. O seu momento chegará para aprender tudo o que a vida tem para ensinar. E a mãe, que descansa de um dia calmo, mas cansativo.
Volto para a cadeira e para a leitura. Uma história impressionante de um soldado que conseguiu fugir ao cativeiro dos seus inimigos. Fugiu descalço, num Inverno muito parecido com este. Completamente à mercê dos elementos e do inimigo que se espalhava por todo o lado. Chegará a casa? Só o saberei depois de a terminar de ler. Entretanto, deito mais um olhar pela janela. A neve continua a cair, o vento continua a soprar, os carros a passar e gente suficiente louca para usarem a bicicleta como meio de transporte numa noite destas. Não posso deixar de sorrir quando os vejo a quase escorregar no gelo que escapa ás máquinas que limpam as estradas. Mas o que será isto, comparado com o que o soldado do livro passou? Nada, quase nada, porque estes vão com todas as comodidades do Mundo actual, tal como eu. Sinto os olhos pesados com o cansaço da leitura e das horas acordado. O sono chega como uma pedra pesada e que me cobre com um cansaço pelo corpo. Acabo por adormecer aqui mesmo nesta velha cadeira, iluminado pelo poeirento candeeiro. O livro acaba por cair ao chão, perdendo as páginas que seguia e o malte que me enchia o copo, acabará por se tranquilizar, serenamente no decorrer da noite. Até a fogosa chama que me aquecia a casa acabará por se extinguir por não ter alimento, restando apenas os despojos negros de uma noite fria, podendo mesmo ainda ter força para uma ou outra brasa ou um ou outro penacho de fumo, mas nunca o suficiente para me iluminar a sala com o seu vermelho tremeluzente e caloroso.
Acabarei por acordar de manhã, com o corpo dorido pela posição estranha que acabei por tomar enquanto dormia. A tempestade, tal como a noite, terão acabado com o dia e com o Sol acabados de nascer, deixando antever um dia ainda mais claro, reluzente e iluminado pelo fresco manto branco que tudo cobre. Mas o frio, esse vai-se manter, apesar do Sol brilhar.
Há-de chegar o dia que a nossa estrela, a mesma que nos ilumina na vida, terá força suficiente para derreter o branco, aquecer a terra e trazer a próxima etapa da vida: a Primavera.
Até lá...